DISTÚRBIOS, TRANSTORNOS DIFICULDADES, OU PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM: COMO DEFINIR?
A definição do que se considera como distúrbios,
transtornos e/ou dificuldades de aprendizagem é ainda conturbada, com vasta
literatura a respeito e, por vezes, com concepções divergentes entre si.
Estes conceitos, geralmente, vêm sendo utilizados de
maneira aleatória, tanto na literatura especializada, quanto na prática
escolar. França (1996) aponta que há uma
certa tendência, por parte dos defensores da abordagem comportamental, a
utilizar o termo “distúrbio”, uma vez que este termo se relaciona à condição
individual do sujeito, enquanto os construtivistas parecem ser adeptos ao termo
“dificuldade”, termo que amplia a noção de aprendizagem também para as
condições sócio-culturais.
Etimologicamente, a palavra distúrbio compõem-se do radical turbare
e do prefixo dis. O radical turbare significa “alteração violenta na
ordem natural” e pode ser identificado também nas palavras turvo, turbilhão,
perturbar e conturbar. O prefixo dis
tem como significado “alteração com sentido anormal, patológico” e possui valor
negativo. O prefixo dis é muito
utilizado na terminologia médica (por exemplo: distensão, distrofia). Em
síntese, do ponto do vista etimológico, a palavra distúrbio pode ser traduzida como “anormalidade patológica por
alteração violenta na ordem natural”.
De acordo com Collares e Moyses (1992) a utilização
indiscriminada da expressão “distúrbios da aprendizagem” no cotidiano escolar
seria mais um reflexo do processo de patologização da aprendizagem ou da
biologização das questões sociais.
A definição estabelecida em 1981 pelo National Joint Comittee for
Learning Disabilities (Comitê Nacional de Dificuldades de Aprendizagem), nos
Estados Unidos da América,
Distúrbios de aprendizagem é um
termo genérico que se refere a um grupo heterogêneo de alterações manifestas
por dificuldades significativas na aquisição e uso da audição, fala, leitura,
escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas. Estas alterações são intrínsecas
ao indivíduo e presumivelmente devidas à disfunção do sistema nervoso central.
Apesar de um distúrbio de aprendizagem poder ocorrer concomitantemente com
outras condições desfavoráveis (por exemplo, alteração sensorial, retardo
mental, distúrbio social ou emocional) ou influências ambientais (por exemplo,
diferenças culturais, instrução insuficiente/inadequada, fatores psicogênicos),
não é resultado direto dessas condições ou influências. (Collares e Moysés, 1992: 32)
O uso desse termo nos chama atenção para a
existência de educandos/as que, apresentam dificuldades de aprendizagem,
embora, aparentemente não
não possuam deficiências físicos, sensoriais, intelectuais ou emocionais.
Consequentemente, durante anos, esses indivíduos foram ignorados, mal
diagnosticados ou maltratados e as dificuldades que demonstravam foram, na
maioria das vezes, designadas de maneira equivocada.
Outra
terminologia recorrente na literatura especializada é a palavra “transtorno”.
Segundo a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da
Classificação Internacional de Doenças, elaborado pela Organização Mundial de
Saúde:
O
termo “transtorno” é usado por toda a classificação, de forma a evitar
problemas ainda maiores inerentes ao uso de termos tais como “doença” ou
“enfermidade”. “Transtorno” não é um termo exato, porém é usado para indicar a
existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível
associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções
pessoais (CID -
10, 1992: 5).
Sobre os transtornos específicos do desenvolvimento
das habilidades escolares afirma-se que são transtornos nos quais os padrões
normais de aquisição de habilidades são perturbadas desde os estágios iniciais
do desenvolvimento. “ Eles não são
simplesmente uma conseqüência de uma falta de oportunidade de aprender nem são
decorrentes de qualquer forma de traumatismo ou de doença cerebral adquirida.
Ao contrário, pensa-se que os transtornos originam-se de anormalidades no
processo cognitivo, que derivam em grande parte de algum tipo de disfunção
biológica (CID - 10, 1992: 236).
Os transtornos específicos do
desenvolvimento das habilidades escolares geralmente ocorrem junto com outras
síndromes clínicas, como por exemplo, o transtorno de déficit de atenção ou o
transtorno de conduta, ou outros transtornos do desenvolvimento, tais como o
transtorno específico do desenvolvimento da função motora ou os transtornos
específicos do desenvolvimento da fala e linguagem.
Estes transtornos apresentam como
causas, tanto fatores biológicos, quanto fatores não biológicos (oportunidade
de aprender e qualidade de ensino, por exemplo). Contudo, o atraso do
desempenho escolar de crianças em um estágio posterior de suas vidas escolares, devido à falta de
interesse, a um ensino deficiente, a perturbações emocionais ou ao aumento ou
mudança no padrão de exigência das tarefas, não podem ser considerados
Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares.
Há ainda um grupo de indivíduos
que, conforme pontua Moojen (1999), apresenta baixo rendimento escolar, mas
que, contudo, não demonstram imaturidade do desenvolvimento e/ou disfunção
psiconeurológica. Esse baixo rendimento
escolar é denominado como “dificuldades de aprendizagem”. Nestes casos
enquadram-se: os atrasos no desempenho escolar por falta de interesse,
perturbação emocional, inadequação metodológica ou mudança no padrão de
exigência da escola, ou seja, alterações evolutivas normais que foram
consideradas no passado como alterações patológicas.
Fernández (1991) também considera
as dificuldades de aprendizagem como sintomas ou “fraturas” no processo de
aprendizagem, onde necessariamente estão em jogo quatro níveis: o organismo, o
corpo, a inteligência e o desejo. A dificuldade para aprender, segundo a
autora, seria o resultado da anulação das capacidades e do bloqueamento das
possibilidades de aprendizagem de um indivíduo e, a fim de ilustrar essa
condição, utiliza o termo inteligência
aprisionada (atrapada, no idioma original).
Para
a autora, a origem das dificuldades ou problemas de aprendizagem não se
relaciona apenas à estrutura individual do sujeito, mas também à estrutura
familiar a que esse está vinculado. As dificuldades de aprendizagem estariam
relacionadas às seguintes causas:
1. Causas externas à estrutura
familiar e individual: originariam o problema de aprendizagem reativo, o qual
afeta o aprender mas não aprisiona a inteligência e, geralmente, surge do
confronto entre o aluno e a instituição;
2. Causas internas à estrutura
familiar e individual: originariam o problema considerado como sintoma e
inibição, afetando a dinâmica de articulações necessárias entre organismo,
corpo, inteligência e desejo, causando o desejo inconsciente de não conhecer e,
portanto, de não aprender;
3. Modalidades de pensamento
derivadas de uma estrutura psicótica, as quais ocorrem em menor número de
casos;
4. Fatores de deficiência
orgânica: em casos mais raros.
Tendo
em vista as considerações feitas até aqui é possível propor uma divisão
didática, como base no modelo apresentado por Romero (1995), na qual, podemos
situar os problemas, transtornos, distúrbios ou dificuldades de aprendizagem:
1. Variáveis pessoais, como a
heterogeneidade ou a lesões cerebrais;
2. Variáveis ambientais, como
ambientes familiares e educacionais inadequados;
3. Combinação interativa de ambos
os tipos.
Segundo
o autor, é possível situar as diferentes teorias ou modelos de concepção das
dificuldades de aprendizagem em um contínuo
pessoa - ambiente, dependendo da ênfase na responsabilidade da pessoa ou do
ambiente na causa da dificuldade.
Em
um extremo estariam todas as explicações que se centram no aluno e que
compartilham a concepção da pessoa como um ser ativo, considerando o organismo
como a fonte de todos os atos. No outro extremo, estariam situadas as correntes
de cunho ambiental, que estão ligadas, em maior ou menor grau, a uma concepção
mecanicista do desenvolvimento, considerando que a pessoa é controlada pelos
estímulos do ambiente externo.
5 - REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ROMERO,
J. F. Os atrasos maturativos e as dificuldades de aprendizagem. In: COLL. C.,
PALACIOS, J., MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades
educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, v. 3Ballone GJ - Distúrbio de
Déficit de Atenção em Adultos - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet,
2001 - disponível em http://gballone.sites.uol.com.br/voce/dda_adulto.htm
Declaração de Salamanca -
Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais – Espanha, 1994.
Nesta palestra, procuro abordar alguns aspectos sobre os transtornos e/ou distúrbios de aprendizagem que, na atualidade,
ganham maior destaque no ambiente escolar.